domingo, 6 de fevereiro de 2011

SÉCULO DE OURO - ANTOLOGIA CRÍTICA DE POESIA PORTUGUESA DO SÉCULO XX

Uma antologia crítica de poesia portuguesa do século XX, intitulada "Século de Ouro", já diz quase tudo. Foi a primeira produzida já fora dos limites temporais do século XX e como refere na grandiosa introdução Eunice Ribeiro " a mais ambiciosa que sobre a poesia portuguesa do século passado foi até ao momento elaborada.  Comparecem neste livro de 664 páginas, os poemas mais representativos do século passado, seleccionados segundo um grupo de especialistas de poesia (professores universitários, escritores, ensaistas) que apresenta o poema mais significativo seguido da sua crítica. Segundo o programa e funcionamento da obra, o texto crítico que segue o poema seleccionado não pretende ser historicista, nem tão pouco seguir qualquer tipo de teoria da crítica literária. Foi pedido a todos os feitores desta antologia que predominasse o close reading (ausência de rodapé, diminuição drástica de referências bibliográficas, leitura breve e, de preferência, intensa) para que cada um se apropriasse do próprio texto e o transformasse numa possível leitura original.


Deixo a sugestão de Maria Alzira Seixo, "Poema de Amor" de Edmundo de Bettencourt, e a de Carlos Reis, "As Palavras", de Eugénio de Andrade pois também são para mim, poemas-bandeiras do século dominado por Fernando Pessoa.

POEMA DE AMOR

A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue...
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verde-claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas.. .
Lágrimas... nuvens... e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!


O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera...


Edmundo de Bettencourt



AS PALAVRAS
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.


Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.


Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.


Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


Eugénio de Andrade

Para mais informações sobre esta antologia:


1 comentário:

Daniel Cisneiros disse...

Necessito sobremaneira do texto de Yara Frateschi Vieira sobre o poeta Ângelo de Lima. É possível escaneá-lo e mo enviar por e-mail? Grato, Daniel