sábado, 11 de dezembro de 2010

REPÚBLICA DAS MULHERES - MARIA JOÃO SEIXAS

Trouxe o livro de Maria João Seixas, a quem admiro muito, para casa pois já era um vício entrar na biblioteca da escola e capturá-lo para espreitar uma nova escritora, uma nova voz. Ana Hatherly foi determinante para querer ver mais neste livro pois é absolutamente fantástico o modo como fala do caminho que fez e desfez na conquista do conhecimento (para isso lhe serve a escrita). As suas respostas à entrevista partem de cada um dos versos do seu poema "Asas", e essa ordem e progressão vão permitindo que ela fale de si e da importância daquilo que se esconde (e liberta) em cada uma das palavras que fazem a sua poesia. Transcrevo uma resposta  desta poetisa que, se já admirava, passei a admirar ao quadrado. Ora vê (porque ver é sempre ler):

MJS - «Ébria de Escrita» é o quarto verso do seu poema. Quer ajudar-me a entender melhor o que nele vem dito?
AH- Sempre que começo a fazer qualquer coisa, sou um pouco obsessiva e um pouco insistente. Quando entrei para o Grupo da Poesia Experimental, nos anos cinquenta, comecei a trabalhar com uns trabalhos que eram umas composições de palavras ilegíveis , pareciam uns desenhos estranhos, caligráficos.
A ilegibilidade era rigorosamente a minha intenção, porque quando não conseguimos ler uma palavra, prestamos maior atenção à forma das letras, que  era o que me interessava destacar. Inspirei-me num presente raro que me tinham oferecido, um dicionário chinês, com palavras desde as origens arcaicas até hoje. Fiquei fascinada com aqueles caracteres e pus-me a copiá-los. O princípio de todas as civilizações traduz-se em tentativas de representação humana e a escrita é uma delas. Tendo estudado História de Arte e Arqueologia, aqueles caracteres eram muito reveladores.É fascinante o antropomorfismo dos signos, mesmo que mais ou menos distorcidosque se encontram na origem de todas as escritas (a nossa, a latina, vinda dos romanos, não é tão antropomórfica, é mais simples, mais geométrica, mas também mais elegante). À medida que copiava do livro os caracteres chineses, à medida que mergulhava neles com mais e maior atenção (não sabendo uma palavra de chinês, então e hoje), reparei que a minha mão se foi tornando inteligente e comecei a perceber o mecanismo da ligação de cabeça à mão. Deixei de precisar de pensar para fazer – quando a mão sabe, eu sei, quando eu sei, a mão sabe. É um processo extremamente interessante. Passei a olhar para a escrita de outro modo, um modo que se tornou uma verdadeira embriaguez, uma obsessão eufórica, uma possessão. («Ébria de escrita»).

Maria João Seixas, República das Mulheres, Bertrand Editora

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