sábado, 18 de dezembro de 2010

ÁREA DE SERVIÇO - FERNANDO PINTO DO AMARAL


« (...) Amei-te muito, sim, amei-te desde o princípio do tempo, desde que o mundo começou a ser mundo: revelação total, febre secreta a iluminar o corpo, a abrir caminhos que mais ninguém conhecera antes de nós , a acender-te no sexo mais do que o sexo, a percorrer em ti, pela primeira vez, todos os corpos de todas as mulheres que desejara até esse momento,

Todas as raparigas que nunca possuíra, todas subitamente concentradas em ti, nesse amor fora do tempo e do espaço, como se só na tua pele a minha fosse lume, sem sabermos porquê, no instante do relâmpago antes do trovão, com a memória de uma tempestade a correr-nos nas veias, a obrigar-nos nas veias, a obrigar-nos a isso, a dizer-nos que tinha de ser,

Es muss sein, es muss sein, sem alternativa, voz de dentro e de fora do mundo,

A fazer-nos receber com júbilo e quase terror a surpresa de um sismo em que tudo de repente se movera, sem deixar pedra sobre pedra, rosto sobre rosto, com os seus epicentros explodindo à superfície do corpo, alterando para sempre o chão onde assentavam as nossas vidas. Quando é assim, não vale a pena perguntar nada ou iludir o destino com as armadilhas da razão: estavas ali e tudo se explicava, numa lógica cega cuja certeza não admitia hesitações. Por isso nos pareceu tão natural esse amor infinitamente maior do que todos os pequenos sonhos que a sociedade nos ensina a cultivar, para que todos os afectos se meçam por uma escala humana. A nossa paixão não se comportava assim, sempre foi muito mais do que humana, fazia-nos atravessar o vazio do mundo como se cada um dos nossos passos pressentisse o abismo e ao mesmo tempo o ignorasse. Foi há sete anos que nos apaixonámos, unidos por um mistério sem medida real, fieis a essa voz omnisciente que nos falava, viviados num oxigénio que respirávamos um do outro para nos salvar a vida,

Respiração boca a boca, ar incandescente,

Como se fosse inesgotável e nos invadisse a boca, a garganta, os pulmões cheios de sol, nas madrugadas que passávamos dentro do carro, um com o outro e um no outro, cada noite mais perto do nosso infinito. Foi há sete anos, meu amor (…)»

Fernando Pinto do Amaral, Área de Serviço, Dom Quixote, pp.163, 164

Um excerto que ofereço ao Márcio para ele poder levar palavras de amor para o seu casamento como se fossem cristais para a sua amada. 

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