sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O PARAÍSO NA OUTRA ESQUINA - MARIO VARGAS LLOSA


Resumo contido na badana do livro:
«Onde se encontra o paraíso? Na construção de uma sociedade igualitária ou no retorno ao mundo primitivo?

Duas vidas: a de Flora Tristán, que põe todos os seus esforços na luta pelos direitos da mulher e dos operários, e a de Paul Gauguin, o homem que descobre a sua paixão pela pintura e abandona uma existência burguesa para viajar para o Tahiti em busca de um mundo não contaminado pelas convenções.

Duas concepções de sexo: a de Flora, que só vê nele um instrumento de domínio masculino, e a de Gauguin, que o considera uma força vital imprescindível posta ao serviço da sua criatividade.

Que têm em comum estas duas vidas desligadas e opostas, à parte o vínculo familiar por ser Flora a avó materna de Gauguin? É isto que Mario Vargas Llosa põe em relevo neste romance: o mundo de utopias que foi o século XIX. Um vínculo entre duas personagens que optam or modelos de vida opostos que revelam um desejo comum: alcançar um paraíso onde seja possível a felicidade para os seres humanos.»

Transcrevo um excerto que se reporta a Flora Tristán no momento anterior à descrição da sua tentativa frustada de pedir ajuda ao Padre Fortin para a concretização bem sucedida do projecto que designa por União Operária:

“Quando regressava ao albergue pelas ruelas curvas e empedradas de Auxerre, viu numa pequena praça com quatro álamos de folhas branquíssimas recém-despontadas um pequeno grupo de meninas que brincavam, formando figuras que as suas corridas faziam e desfaziam. Deteve-se a observá-las. Jogavam ao Paraíso, esse jogo que segundo a tua mãe, tinhas jogado nos jardins de Vaugirard com amiguinhas da vizinhança, sob o olhar risonho de don Mariano. Lembravas-te Florita? «É aqui o Paraíso?» «Não, menina, é na outra esquina.» E enquanto a menina, de esquina em esquina, perguntava pelo esquivo Paraíso, as restantes divertiam-se mudando de lugar nas suas costas. Recordou a impresão daquele dia em Arequipa, no ano de 1833, perto da Igreja de La Merced, em que, de repente, se encontrara com um grupo de rapazes e raparigas que andavam às correrias no saguão de uma casa profunda. «É aqui o Paraíso?» «Na outra esquina, meu senhor.» Esse jogo que julgavas francês era afinal também peruano. Bom, que tinha isso de estranho? Chegar ao Paraíso não era uma aspiração universal? Ela tinha ensinado os filhos, Aline e Ernest-Camille, a jogá-lo.”

Ainda outro que introduz a personagem histórica Paul Gauguin:

“Devia o apodo de Koke a Teha’ amana, a sua primeira mulher da ilha, porque a anterior, Titi Pehitos, essa gralha neo-zelandeza-maori com a qual nos primeiros meses em Taiti vivera em Papeete, a seguir em Paea e finalmente em Mataiea, não tinha sido, falando com propriedade, sua mulher, mas apenas uma amante. Nesses primeiros meses toda a gente lhe chamava Paul.

Chegara a Papeete ao amanhecer de 9 de Junho de 1891, após uma travessia de dois meses e meio desde que largara de Marselha, com escalas em Aden, e Noumea, onde tivera de mudar de barco. Quando pisou, por fim Taiti, acabava de completar quarenta e três anos. Trazia consigo todos os pertences, como que para deixar claro que tinha cortado para sempre com a Europa e Paris: cem jardas de tela para pintar, tintas, óleos e pincéis, uma corneta de caça, dois bandolins, uma guitarra, vários cachimbos bretões, uma velha pistola e um pequeno punhado de roupas usadas. Era um homem que parecia forte – mas a tua saúde estava secretamente minada, Paul -, de olhos azuis um tanto ou quanto saltitantes e movediços, boca de lábios rectos geralmente franzidos numa careta desdenhosa e um nariz quebrado, de aguioto predador. Usava uma barba curta e eriçada e compridos cabelos castanhos, a atirar para o vermelhusco, que pouco tempo depois de chegar a esta cidade de apenas três mil e quinhentas almas (…) cortou, pois, o subtenente Jénot, da Marinha francesa, um dos seus primeiros amigos em Papeete, lhe dissera que, por causa daquele cabelocomprido e do chapelinho moicano à Buffalo Bill que usava na cabeça, os maoris o julgavam, um mahu, um homem-mulher.

Trazia muitas ilusões consigo. (…)”

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