quinta-feira, 30 de setembro de 2010


Um caso de literatura transnacional em francês: exílio e escrita  na obra de Chahdortt Djavann

por Cristina ÁLVARES /Universidade do Minho)


A comunicação centra-se no romance Comment peut-on être français?, de Chahdortt Djavann, escritora iraniana exilada em França, situando-o no contexto da sua obra ficcional e ensaística e delineando as suas coordenadas ideológicas e estratégias narrativas gerais.

A particularidade deste romance reside na representação do exílio da personagem, Roxane, como um projecto de desenraizamento ontológico, relevando do ideal iluminista e moderno (ideal partilhado por outras escritoras exiladas como Ayaan Hirsi Ali e Wassyla Tamzali) que consiste em cortar radicalmente com as tradições particulares para lhes substituir a lei na sua universalidade e neutralidade. A forma da lei é a língua francesa. A aprendizagem do Francês, através da prática da escrita epistolar, faz emergir Roxane como um sujeito esvaziado das suas representações e conteúdos particulares, sustentado apenas pelo desejo da lei-língua, e coloca-a num espaço de intersecção vazia, que anula tanto a identidade iraniana (inata e rejeitada)como a identidade francesa (escolhida e desejada). Esta experiência de não-identidade e de não-pertença, dita e escrita em Francês, funda uma ideia comum a vários escritores oriundos de países tão diversos como a China, a Eslovénia, o Irão, Israel, Hungria, entre outros, e que escrevem em francês: desprovidos de identidade e nacional, eles pertencem à literatura. ‘L’exil est mon essence et l’écriture ma naissance’, escreve Djavann no seu último ensaio. A produção literária de Djavann insere-se assim no âmbito daquilo a que Michel Le Bris chama a literatura-mundo em francês: uma literatura que liberta a língua do pacto exclusivo com a nação, ao mesmo tempo que ultrapassa o contexto pós-colonial das literaturas francófonas, situadas num espaço de tensão entre ex-metrópole e excolónias, entre centro e margens (a crítica de Le Bris ao conceito de Francofonia aponta precisamente o seu efeito marginalizante). Daí que muitos estudiosos qualifiquem a literatura transnacional em Francês como literatura pós-francófona ou pós-pós-colonial.
O romance de Djavann apresentar o Francês como uma língua de libertação (e não de opressão como é frequente entre os escritores pós-coloniais), uma língua que liberta de formas de opressão outras que não as coloniais (neste caso as praticadas pela República Islâmica do Irão). O Francês permite ao sujeito transcender a sua cultura de origem (família, língua, religião) e abrir no seu seio um espaço de indeterminação, de liberdade.

Referências

DJAVANN, C., Je viens d’ailleurs, Paris, Autrement, 2002

DJAVANN, C., Bas les voiles !, Paris, Gallimard, 2003

DJAVANN, C., Que pense Allah de l’Europe ?, Paris, Gallimard, 2004

DJAVANN, C., Comment peut-on être français ?, Paris, Flammarion, 2006

DJAVANN, C., À mon corps défendant, l’Occident, Paris, Flammarion, 2007

DJAVANN, C., La muette, Paris, Flammarion, 2008

Sem comentários: