sexta-feira, 28 de maio de 2010

QUE CAVALOS SÃO AQUELES QUE FAZEM SOMBRA NO MAR? - ANTÓNIO LOBO ANTUNES


"A acção decorre no Ribatejo, numa quinta onde se criam toiros.
A mãe está a morrer e cada um dos filhos fala e conta a sua história, que se cruza com a história dos outros.
Francisco, que odeia os irmãos e espera apropriar-se de tudo quando a mãe morrer; João, o preferido da mãe, pedófilo, que engata rapazinhos no Parque Eduardo VII; Beatriz, que engravidou e teve de casar cedo; Ana, a mais inteligente, drogada e frequentadora dos mais sinistros lugares onde se trafica droga.
Há ainda a figura do pai, que vai perdendo ao jogo a fortuna da família, na obsessão de que o número 17 lhe há-de trazer a sorte.
E finalmente Mercília, a criada que os criou a todos e que sabe todos os segredos."

in nclivros.wordpress.com

Um excerto carregado do estilo deste autor (arrastando poesia na sombra dos cavalos, dos espaços de um passado distante, dos objectos, das pessoas que ama, enfim, das recordações que tornam possível toda a história):
-Tu

embora haja momentos, eu cá me entendo, em que ao meter o prato na máquina penso que, penso que gostava de companhia, isto é o prato gostava de companhia que se nota pelo modo como pinga, eu não preciso, cavalos e cavalos entre as roseiras, quando me levavam à praia imaginava-os na linha das ondas fazendo sombra no mar, lá estava a sombra mais densa que as algas, não navios, não penedos, não pássaros, cavalos, o cavalo do meu pai com a aba do chapéu a escondê-lo e a seguir eu na garupa a agarrar-lhe o casaco hesitando se o meu pai o cavalo ou a pessoa, na dúvida de quem era filha, os empregados

-A sua filha senhor

e vai daí é ao meu pai que pertenço dado que os empregados não se enganavam nos garraios, recitavam de cor as famílias, as descendências, os laços, o que acontecerá à casa de Lisboa e à casa da quinta quando a minha mãe morrer, o cabelo até já meio defunto aliás, ia dizer poeirento mas não digo, ia dizer não nascido no interior da pele, colado a ela mas não digo, não digo aos olhos quase cegos, para quê, digo que as rosas floriram sozinhas, os objectos tornando-se coisas eles que por enquanto fervem, respiram e não me esqueço de vocês descansem, a concha com as iniciais da minha mãe no círculo da madrepérola da tampa e uma moeda para um lado e para o outro dentro, quando o meu pai discutia com a minha mãe apanhava a concha da cómoda, agitava-a e a moeda a cantar, nunca a poisava no sítio e por mais que tentasse nunca acertava com o local exacto, demasiado à esquerda, demasiado à direita, girava-a no sentido dos ponteiros do relógio, no sentido contrário, um grau ou dois, e não nunca, recuava a verificar o resultado

( ...)

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