quarta-feira, 10 de março de 2010

Paulo Kellerman, contista

No fim desta mesa-redonda, não me contive e comprei o livro de contos de Paulo Kellerman - o que foi premiado, "Gastar Palavras", com vontade de testar a crítica. Acabo sempre por ver uma ponta de razão nos livros que ganham prémios. Gostei muito de alguns contos.
Li-o em viagem, em voz alta, com a estrada a ameaçar-nos brilhante da chuva que caía, e gostei da escrita dele, projectada pela minha voz contra as luzes dos outros carros, em surdina contra o vidro da frente, quase a deixar-se de ouvir quando o granizo alvejava com violência, enfim,  morrendo aos pés de cada ponto final.
Cabe num bolso este livro que graças ao vidro e ao tejadilho não encharquei.

Excerto de uma entrevista:
"Nos últimos anos fui acumulando estórias, que espalhei por inúmeras edições de autor. Quando surgiu a oportunidade de publicar este livro, peguei nalgumas das minhas preferidas e dei-as ao editor. Ele eliminou metade, por questões de espaço, e transformou as outras em livro. Foi ele que escolheu o título, a minha sugestão era “Um destes dias, morro”. A estória “Gastar palavras”, que parece ser a preferida de toda a gente, era a única que eu eliminaria sem hesitação; tinha outro título, chamava-se “O dia em que fiz trinta e dois anos”, mudei para “Gastar palavras” no último momento. Só depois do António Luís Catarino, o editor, ter decidido que seria esse o título é que comecei a perceber o encanto da expressão.

Quanto à estória em si, foi escrita num momento menos bom e ficou excessivamente pessimista. Sou uma pessoa silenciosa e tento usar as palavras com moderação; não temo que, um dia, se me acabem mas receio que deixem de produzir efeito. A banalização das palavras é uma coisa terrível, assustadora. A minha filha, que tem cinco anos, diz frequentemente que me adora; das primeiras vezes era um deslumbramento; agora, com a repetição, e tendo ela consciência do poder da palavra e das possíveis consequências do seu uso, percebo que é apenas mais uma palavra que ela aprendeu e usa. De certo modo, gastou-a. A estória é, em parte, sobre isto: as palavras que se dizem e não significam nada."

in http://www.ruadebaixo.com/paulo-kellerman.html

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