quinta-feira, 11 de março de 2010

Alice no País das Maravilhas


Vale bem a pena ver o filme de Tim Burton para apreciar sobretudo duas personagens: a   Rainha de Copas e o Chapeleiro Maluco. O País das Maravilhas materializa uma infância que arrastamos até sermos adultos e faz-nos sentir vontade de nos dedicarmos exclusivamente às nossas fantasias... a transformação que operamos como espectadores ao colocarmos os óculos 3D ajuda a termos a sensação de que também nós andamos perdidos num mundo sério demais...  o que é uma pena pois conforme nos diz tão bem  Alice "os loucos são sempre as melhores pessoas".
Fiquei com muita pena de uma das passagens que mais me emocionam não ter sido produzida no ecrã. Apago um pouco dessa desilusão deixando um pequeno excerto:

"(...) porque eu nunca fui assim tão pequenina, nunca! E digo que isso é demasiadamente mau, é sim!"
Enquanto dizia essas palavras, o seu pé escorregou e, num instante, splash!, estava mergulhada at´ao queixo em água salgada. A sua primeira ideia foi a de que tinha caído ao mar, "nesse caso, posso regressar de combóio", disse Alice para si mesma. (Alice tinha ido para a praia apenas uma vez na vida e concluíra que, para qualquer lugar da costa inglesa que se fosse, haveria sempre algumas barracas de praia, crianças a escavar na areia com  pás de madeira, lá atrás uma fileira de pensões, e mais atrás ainda, a estação do comboio). Mas logo percebeu que estava no lago de lágrimas que derramara quando estava com dois metros e meio de altura.
-Quem me dera não ter chorado tanto! - disse Alice enquanto nadava, tentando encontrar a saída. -Deve ser que o meu castigo por isso é afogar-me nas minhas próprias lágrimas, suponho eu!"

Faltaram entre Alice, o Chapeleiro e a Lebre de Março os diálogos tão engraçados que põem à prova a polissemia das palavras, as constantes charadas que mostram como o mundo pode ser virado do avesso dependendo quase exclusivamente da disposição das palavras nas frases, enfim da nossa capacidade de imaginar e estilhaçar o real:
"- Que relógio tão engraçado! - comentou [Alice]. - Ele mostra o dia do mês mas não as horas!
- Por que razão deveria? - resmungou o Chapeleiro. - Por acaso o teu relógio mostra o ano em que estás?
- É claro que não! - relicou Alice prontamente. - Mas isso é porque o ano permanece o mesmo muito tempo.
- Esse é exactamente o caso do meu - disse o Chapeleiro.
Alice sentia-se terrivelmente confusa. O comentário do Chapeleiro soava-lhe completamente absurdo (...)
- Já resolveste a charada? - perguntou o Chapeleiro, virando-se novamente para a Alice.
-Não, eu desisto - respondeu Alice. - Qual é a solução?
- Não faço a mínima ideia - disse o Chapeleiro.
-Nem eu - disse a Lebre de Março.
Alice suspirou enfastiadamente.
-Penso que deveria usar melhor o seu tempo -disse- , em vez de o gastar com charadas que não têm resposta.
- Se conhecesses o Tempo tão bem como eu conheço - disse o Chapeleiro -, não falarias em gastá-lo, como se fosse uma coisa. Ele é uma pessoa.
-Eu não sei do que estás a falar - disse a Alice.
-Claro que não! - retorquiu o Chapeleiro, sacudindo a cabeça desdenhosamente. - Poderia jurar que tu nunca falaste ao Tempo!
- Talvez não - disse Alice, cauteosamente -, mas eu sei que tenho de marcar o tempo quando aprendo música.
-Ah! Isso explica tudo concluiu o Chapeleiro. - Ele não suporta ficar a marcar o compasso, mas, se estiveres de boas relações com ele, poderás fazer o que quiseres com o relógio. Por exemplo, supõe que são nove horas da manhã, aquela hora a que começam as aulas, apenas tens de segredar uma sugestão ao ouvido do Tempo e lá vão os ponteiros num abrir e fechar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!(...)

Este é um dos livros que me apetece ter repetidamente pois há edições muito variadas que são autênticos convites à entrada neste mundo fantástico (tanto das potencialidades semânticas da linguagem, como das imagens, como das sucessivos motivos da intriga) ... Saiu mesmo há pouco tempo, uma nova edição, fruto da parceria entre o Círculo de Leitores e a Arte Plural, daquelas que eu invejo, apesar de já não ser criança. É uma adaptação de Harriet Castor  com ilustrações do croata Zdenco Basic. Que linda capa!


Sem comentários: